Utilitários Contábeis

A brincadeira da desoneração


05/05/2015
Brasil
Administradores

O ajuste fiscal anunciado para recuperar as contas públicas do País impõe pesadas perdas ao setor produtivo, põe por terra todo um trabalho de adaptação de empresas e entidades ao sistema de desonerações, distorce a realidade e, por fim, joga no palco das discussões paradoxos que as autoridades não conseguem explicar.

O programa de desoneração começou a ser implantado em 2011 com o objetivo de desenvolver a economia e manter baixas as taxas de desemprego, alterando a forma pela qual tributava as empresas para o financiamento da Previdência Social. Como é sabido, as despesas previdenciárias historicamente são financiadas por contribuições de empregados e empregadores. No regime tradicional, empregadores pagam contribuições equivalentes a 20% da folha de pagamento das empresas.

A desoneração da folha de pagamentos substituiu essa contribuição patronal por outro tributo incidente sobre o faturamento da empresa, e não mais sobre a folha de pagamentos, com alíquotas entre 1% e 2%, dependendo do setor da economia.

Na visão do governo, houve uma redução parcial do imposto pago, pois, de modo geral, a receita gerada por essas alíquotas não compensava a perda advinda da menor tributação sobre a folha. Isso significaria menos receita para o Erário e alívio financeiro para o contribuinte. O Tesouro Nacional se comprometeu a ressarcir a Previdência Social pela receita perdida.

Com o ajuste, as desonerações praticamente desaparecem, pois as alíquotas passam de 1% para 2% e de 2% para 4,5%. Enfim, uma elevação de até 150%.

Emerge daí o paradoxo: entre o que o governo anuncia pela mídia e o que ocorre na vida das empresas. A mudança para o regime de desoneração prejudica consideravelmente determinados setores e empresas, pois, a depender do ramo, de número de funcionários, o novo sistema aumentou substancialmente a contribuição para a Previdência.

Até o recente pacote econômico, a desoneração era obrigatória. Agora passa a ser optativa. A empresa pode continuar na desoneração, pagando mais que o dobro em alguns casos, ou volta ao cálculo anterior da folha.

Isso causa surpresa. Quando se implantou o sistema de desoneração da folha, um fato se tornava evidente para quem trabalha na área contábil e mexe diretamente com a folha de pagamento de todos os setores da economia: a desoneração não era benéfica em muitos casos. Encarecia a tributação porque substituía o pagamento sobre a folha pelo pagamento sobre o faturamento. Ao fazer o cálculo, a empresa descobria que pagava mais. Para o patrão, essa situação aumentou, sim, o peso da carga.

Um dos exemplos é o setor moveleiro: na época do enquadramento obrigatório comprovou que pagava mais tributo, enquanto outros setores também reclamavam.

Empresas obrigadas a se modernizar em matéria de estrutura tecnológica sofreram com o enquadramento obrigatório. Por exemplo, as do setor produtivo; quem tinha muitos funcionários e comprou máquinas mais modernas, passou a reduzir o quadro de funcionários para algo em torno de 70%. Com isso a empresa melhorou a produção e a eficiência, aumentando o faturamento. Ao reduzir o quadro de funcionários, também passou a pagar mais imposto. O esperado era reduzir impostos, mas o efeito foi inverso, já que a incidência não é mais sobre a folha.

Ora, se uma grande parcela de empresas brasileiras passou a recolher mais tributos, como a União anuncia que perdeu mais de R$ 25 bilhões com o programa?

Desde o início, representantes do empreendedorismo batalharam para que as empresas pudessem optar ou não pela desoneração, por uma questão de justiça tributária. Mas o governo foi inflexível e manteve a obrigatoriedade. Os profissionais contábeis perceberam tal desequilíbrio - alguns animais passaram a ser mais iguais do que os outros, como em "A Revolução dos Bichos", de George Orwell. Em suma, o governo não seria inflexível se estivesse perdendo tanta receita, como ensina a história.

Agora que aumenta as alíquotas e praticamente elimina os benefícios, aceita a opção por um ou outro regime. É fazer caridade com o bolso alheio. Por isso, não causa surpresa a saída encontrada de aumentar a alíquota e deixar a escolha livre, esperando que as empresas voltem ao regime antigo.

Foi imenso o trabalho para se chegar a um consenso sobre a desoneração da folha, uma vez que é sobre produtos - nesse caso o cálculo é mais burocrático. Mas foram criados mecanismos para fazer este ajuste, pois é preciso saber do mix de produtos da empresa, aqueles desonerados e o total da folha para, então, aplicar o percentual correto. No início da vigência deu muito trabalho, gerou muitas dúvidas, guias e demonstrativos tiveram de ser retificados, até que o sistema fosse completamente absorvido. Agora, quando a situação parece mais normalizada, as regras mudam novamente. E uma alíquota absurda desestimula as empresas a permanecerem nesse regime.

Para setores que não tiveram benefício com a desoneração, a volta ao sistema original não será ruim. O setor moveleiro, claro, não quer mais esse regime. Para muitos será até benéfico. Para empresas de tecnologia e de contabilidade, que tiveram de adaptar suas bases, sistemas e profissionais, foi um trabalho desnecessário. A tendência é a de que, senão 100% das empresas, perto disso volte ao regime antigo.

A opção é positiva. De toda forma, as empresas precisam analisar as contas para ver o que é mais vantajoso para atividade. Com esta medida, de certa forma o governo atendeu nosso pedido. Ao anunciar seu pacote, o ministro Joaquim Levy afirmou que a desoneração havia sido "grosseira", uma "brincadeira".

Grosseiro é o governo brincar com a Nação. Concedendo um benefício que não é tão benéfico e punindo as empresas com a majoração de tributos para pagar um rombo construído por ele, governo.

Sérgio Approbato Machado Júnior é empresário contábil e presidente do SESCON-SP - Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e de Assessoramento no Estado de São Paulo e da AESCON-SP - Associação das Empresas de Serviços Contábeis


O nosso site usa cookies

Utilizamos cookies e outras tecnologias de medição para melhorar a sua experiência de navegação no nosso site, de forma a mostrar conteúdo personalizado, anúncios direcionados, analisar o tráfego do site e entender de onde vêm os visitantes.

Centro de preferências de cookies

A sua privacidade é importante para nós

Cookies são pequenos arquivos de texto que são armazenados no seu computador quando visita um site. Utilizamos cookies para diversos fins e para aprimorar sua experiência no nosso site (por exemplo, para se lembrar dos detalhes de login da sua conta).

Pode alterar as suas preferências e recusar o armazenamento de certos tipos de cookies no seu computador enquanto navega no nosso site. Pode também remover todos os cookies já armazenados no seu computador, mas lembre-se de que a exclusão de cookies pode impedir o uso de determinadas áreas no nosso site.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são essenciais para fornecer serviços disponíveis no nosso site e permitir que possa usar determinados recursos no nosso site.

Sem estes cookies, não podemos fornecer certos serviços no nosso site.

Cookies funcionais

Estes cookies são usados para fornecer uma experiência mais personalizada no nosso site e para lembrar as escolhas que faz ao usar o nosso site.

Por exemplo, podemos usar cookies de funcionalidade para se lembrar das suas preferências de idioma e/ ou os seus detalhes de login.

Cookies de medição e desempenho

Estes cookies são usados para coletar informações para analisar o tráfego no nosso site e entender como é que os visitantes estão a usar o nosso site.

Por exemplo, estes cookies podem medir fatores como o tempo despendido no site ou as páginas visitadas, isto vai permitir entender como podemos melhorar o nosso site para os utilizadores.

As informações coletadas por meio destes cookies de medição e desempenho não identificam nenhum visitante individual.

Cookies de segmentação e publicidade

Estes cookies são usados para mostrar publicidade que provavelmente lhe pode interessar com base nos seus hábitos e comportamentos de navegação.

Estes cookies, servidos pelo nosso conteúdo e/ ou fornecedores de publicidade, podem combinar as informações coletadas no nosso site com outras informações coletadas independentemente relacionadas com as atividades na rede de sites do seu navegador.

Se optar por remover ou desativar estes cookies de segmentação ou publicidade, ainda verá anúncios, mas estes poderão não ser relevantes para si.

Mais Informações

Para qualquer dúvida sobre a nossa política de cookies e as suas opções, entre em contato conosco.

Para obter mais detalhes, por favor consulte a nossa Política de Privacidade.

Contato